Quando um muro tem nascimento, morte e vida é porque não é um muro qualquer. Inspiração para filmes, clássicos da literatura, música e até arte urbana. O muro de Berlim separou a Europa mas uniu a cultura
Atravessar o muro de Berlim foi durante décadas a derradeira prova de um espião, tanto no cinema como na literatura. E na vida real, claro. Alfred Hitchcock e Billy Wilder foram os primeiros a utilizar o potencial infindável de histórias que um gradeamento de metal com mais de 60 km, 302 torres de observação, 127 redes electrificadas e 255 pistas de corrida para cães de guarda tinha. A 13 de Agosto de 1961, o mundo conhecia a cara visível da Guerra Fria: o muro de Berlim. Demorariam quase 30 anos até a Europa deixar de estar dividida entre comunistas e capitalistas. Hoje assinalam-se os 50 anos da construção do Muro e olhamos para a sua herança cultural. Do graffiti, à literatura, passando pela música.
O espião que veio do frio
1963 Dois anos depois da construção do muro, o génio dos romances de espiões, John Le Carré, utiliza o Muro de Berlim para começar e terminar “O Espião que Veio doFrio”. Alec Leamas (Richard Burton no filme de Martin Ritt) é um espião inglês, do MI6, em plena guerra fria, com uma vida muito mais cinzenta e menos glamourosa que 007. Vive momentos intensos junto ao muro que quem leu ou viu o filme não esquece. “Sou um homem, seu idiota. Percebes? Um simples, modesto, desordenado e atrapalhado ser humano. Temos disso no ocidente, sabes.”
Cortina rasgada
1966 Winston Churchill foi o pai da expressão cortina de ferro, em 1946. Uma imagem perfeita para definir um continente dividido em Europa Ocidental e Oriental. Alfred Hitchcock apoderou-se da expressão para fazer um filme sobre um engenheiro aeroespecial (Paul Newman) que deserta para Berlim Oriental com a noiva (Julie Andrews). Na realidade, ele está a trabalhar para os americanos e tem de encontrar um fórmula matemática importantíssima. Não se tornou um clássico mas vale pela luta desesperada de cada um dos lados da cortina para obter o poder.
Keith Haring e a arte urbana
1986 O muro serviu como uma tela branca para vários artistas. Keith Haring foi um deles quando em 1986 fez um mural, no lado ocidental, claro. O artista foi convidado pelo Museu Charlie Checkpoint e desenhou uma corrente de humanos em 91,44 metros. “É uma cadeia interligada de figuras humanos, ligadas através das mãos e pés. A cadeia representa claro a unidade das pessoas em oposição ao que simboliza o muro. Pintei o mural com as cores da bandeira alemã: preto, vermelho e amarelo”, disse Keith Haring ao seu biógrafo. Durante décadas o muro foi sendo pintado e transformado em diário. Vários artistas conhecidos e desconhecidos deixaram a sua marca. Uma das pinturas mais conhecidas é o beijo fraternal, ou melhor na boca, entre Honecker, líder de Berlim Oriental, e Brezhnev, líder russo.
As asas do desejo
1987 O clássico de Wim Wenders surgiu dois anos antes da queda do muro. Uma reflexão sobre a existência humana, o divino e mortal. A acção decorre em Berlim, no pós-guerra, quando o batalhão de anjos aterra na cidade. Está visto que tinham muito trabalho em mãos tal não era a quantidade de almas tristes e deprimidas. Ainda assim, o amor prevalece (perdoe-nos a lamechice, mas é verdade). Um dos anjos apaixona-se por uma humana e está um sarilho armado. Lembra-se do filme “Cidade dos Anjos” com Nicolas Cage? Esse foi inspirado neste.
The Wall e David Hasselhoff
1989/1990 “Eu sou uma bola de berlim”, disse o Presidente dos Estados Unidos, JFK, no seu discurso mítico, em vez de dizer “sou berlinense”. Nessa altura os alemães perceberam que os americanos eram bem divertidos, por isso não estranharam quando David Hasselhoff – meses de depois do muro cair – cantou junto ao muro de Berlim com um cachecol com teclas de piano e um casaco com luzes a piscar. Ele era o ícone dos anos 80, o Michael Knight que abria caminho para o capitalismo. Um evento musical mais sério foi o concerto de beneficência em 1990 de Roger Waters que juntou Bryan Adams, Cyndi Lauper, Scorpions, Joni Mitchell e tantos outros num tributo a Berlim. Muitos músicos já tinham criado temas sobre o muro. Quem não se lembra de Elton John com “Nikita” ou Sex Pistols com “Holidays in the Sun”?
Adeus Lenine
2003 É uma bonita história de amor entre mãe e filho e o impacto das desilusões políticas. Um retrato intemporal da Guerra Fria e do dia-a-dia dos berlinenses. O filme começa em 1978. Christiane Kerner (Katrin Saß), uma fiel trabalhadora do regime entra em coma e acorda em 1990. O mundo que conhecia desapareceu, os anúncios de Coca-Cola já invandiram Berlim Oriental e o muro não existe. O filho Alexander ‘Alex’ Kerner (Daniel Brühl) vai fazer tudo para a proteger de um choque fatal. O filme de Wolfgang Becker ganhou o César em França.
A vida dos Outros
2006 O vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro conta a história de um agente da polícia secreta em Berlim Oriental no ano de 1984.É um retrato comovente de como um apagado Hauptmann Gerd Wiesler vigia artistas e políticos dissidentes obrigando-os a pararem ou irem para a prisão. O filme de Florian Henckel von Donnersmarck mostra como se vivia numa estrutura social que punha todos em risco de vida. O próprio actor principal, o alemão Ulrich Mühe tinha sido espiado pelas autoridades durante a Guerra Fria. Pior ainda, descobriu que a sua mulher na altura era uma informadora da Stasi.
fonte: Jornal i
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