José Manuel Osório, numa fotografia de 2001
O fadista e estudioso de fado José Manuel Osório, 64 anos, morreu
esta quinta-feira em Lisboa. Era considerado o mais antigo caso de um doente com
sida em Portugal.
José Manuel Osório, distinguido este ano com o Prémio Amália Rodrigues
Ensaio/Divulgação, tinha-se destacado nos últimos anos como investigador do
fado, tendo coordenado as colecções discográficas “Fados da Alvorada” e “Fados
do Fado” na etiqueta da Movieplay Portuguesa.
Osório receberia em
Novembro o Prémio Amália Ensaio/Divulgação que seria a sua consagração como
investigador na área do fado, em que se tinha destacado nas últimas décadas,
disse o musicólogo Rui Vieira Nery.
O músico trabalhava recentemente numa
pesquisa sobre a imprensa fadista e deixa pronto para publicar um texto de
introdução à reedição do livro “O Fado e os seus censores”, de Avelino de
Sousa.
O interesse pelo fado começou quando se matriculou na Faculdade de
Direito. Frequentava as casas de fado da linha de Cascais que, segundo afirmou,
eram “espaços de alguma revolta em relação às casas de fado que proliferavam nos
bairros históricos de Lisboa, e que transformavam o prazer de cantar numa
obrigação”.
Nas casas de fado de Cascais como “Estribo” ou “Cartola”,
conheceu fadistas e poetas, nomeadamente Vasco de Lima Couto, que lhe ofereceu
um poema para cantar, e José Carlos Ary dos Santos, que lhe escreveu um poema,
também para ser cantado, o decassílabo “Desespero”, a partir de um soneto
incluído no livro “A Liturgia do Sangue”.
Osório fundou o Grupo
Independente de Teatro da Faculdade de Direito, que dirigiu e para o qual
encenou “O Homúnculo”, de Natália Correia, o primeiro texto desta autora a ser
representado em público.
O investigador tinha-se anteriormente inscrito
no curso de teatro do Conservatório e trabalhara durante seis anos no Teatro
Estúdio de Lisboa, dirigido por Luzia Maria Martins.
José Manuel Osório
gravou o primeiro disco em 1968, com poemas de Ary dos Santos, Lima Couto,
Manuel Alegre, Mário de Sá Carneiro, António Botto, João Fezas Vital, Lídia Neto
Jorge, António Aleixo e Maria Helena Reis. No ano seguinte, gravou o segundo
disco e recebeu o Prémio da Imprensa para o Melhor Disco do Ano.
Em 1970
a Casa da Imprensa distinguiu-o com o Prémio para o Melhor Fadista, mas foi
impedido de cantar no palco do Coliseu, pela polícia política de então, a
PIDE-DGS.
À agência Lusa Rui Vieira Nery afirmou que “José Manuel Osório
foi dos primeiros da sua geração a fazer a ponte entre o fado e o sector
intelectual da oposição democrática”.
Partiu para Paris onde trabalhou
num restaurante onde se cantava fado e conheceu José Mário Branco, Sérgio
Godinho e Luís Cília, entre muitas outras personalidades.
Na década de
1970, dinamizou o teatro amador, levando à cena dezenas de espectáculos que se
apresentavam essencialmente nas colectividades de Lisboa. Conquistou o primeiro
Prémio do Festival de Teatro Amador com o Grupo Oficina de Teatro de Amadores em
Alfama, com o texto “Soldados” de Carlos Reyes.
Editou o quarto disco, em
que incluiu poemas de Fernando Pessoa, Manuel Alegre, António Aleixo, Francisco
Viana, Martinho da Rita Bexiga, António Gedeão, Alda Lara, entre outros.
Colaborou com vários músicos como António Chaínho, Arménio de Melo, Manuel
Mendes, José Nunes, Raul Nery, José Fontes Rocha, Carlos Gonçalves, Pedro
Caldeira Cabral, Pedro Leal, Joel Pina e Martinho D’Assunção, entre
outros.
As pesquisas sobre o fado iniciou-as em 1973 quando
definitivamente regressou a Portugal, tendo escolhido como matéria de
investigação o fado operário e anarco-sindicalista, com o intuito de o
cantar.
Após a revolução de 1974, participou na fundação do grupo de
teatro A Barraca, compôs música para peças de teatro e gravou três discos de
fado tradicional. A carreira discográfica pode então ser dada como encerrada,
apesar de ter gravado o ano passado “Fado da Meia Laranja” para uma colectânea
do poeta José Luís Gordo.
Iniciou uma carreira como produtor de
espectáculos e agente de artistas, actividade que manteve até 1990. Sempre
ligado à organização da Festa do Avante, participou activamente na criação de um
espaço fadista, o “Retiro do Fado”.Em 1993, a convite do musicólogo Ruben de
Carvalho, organizou “As Noites de Fado da Casa do Registo”, inseridas na
Lisboa/94, Capital Europeia da Cultura. Em 1998 coordenou as Festas da Cidade de
Lisboa.
Colaborou com o Museu do Fado, organizou colóquios e várias
iniciativas ligadas ao fado, participando como autor na obra “Um século de
fado”.
Em 2005 coordenou o projecto “Todos os Fados” para a revista
Visão, posteriormente colaborou na antologia dos fadistas Fernanda Maria e
Fernando Maurício, editadas pela Moviplay Portuguesa e, para esta mesma editora,
as séries “Fados da Alvorada” e “Fados do Fado”, trazendo à ribalta o repertório
fadista desde a década de 1950 até 1974.
José Manuel Osório nasceu em
Leopoldoville, atual Kinshasa, na República do Zaire, então Congo Belga, no dia
13 de Maio de 1947.
Aos dez anos veio estudar para Portugal, ingressando
dois anos depois no Conservatório de Música de Lisboa, tendo terminado aos 15 o
Curso Básico e Superior de Solfejo. Terminou com louvor e distinção o curso de
piano aos 24 anos.
À imprensa garantiu que era cantado por Lucília do
Carmo o primeiro fado que se lembrava ter ouvido.
fonte: Público
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