terça-feira, 21 de setembro de 2010

Óvulos valem 850 euros. Até onde vai a (i)legalidade?

"Não há garantias de que os motivos sejam altruístas", diz presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida


"Queria ganhar dinheiro extra e uma amiga sugeriu-me doar óvulos. A ideia era boa: ajudava pessoas e recebia por isso." Renata Baptista, brasileira a viver em Portugal, deslocou-se à clínica espanhola IVI, no centro de Lisboa, para fazer a doação de ovócitos. Se ficasse concluída "receberia 850 euros", conta ao i.

Este é exactamente um dos buracos da lei portuguesa - que não permite a venda de óvulos mas permite a compensação à doadora - que Miguel Oliveira da Silva, presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV), condena. "Não há garantias de que os motivos [de doação de óvulos] sejam altruístas", afirmou ontem, em entrevista à agência Lusa, acrescentando: "Há quem eufemisticamente lhe chame compensação."

Antes do tratamento, Renata passou por uma série de entrevistas, testes psicológicos e avaliações: "Querem perceber por que razão estamos a fazê-lo, mas sabem que as pessoas vão lá pelo dinheiro."

A lei portuguesa de Procriação Medicamente Assistida (PMA) permite que se façam doações de óvulos, mas não define uma retribuição monetária fixa para quem faz a dádiva. Prevê apenas que exista uma "compensação", de forma a cobrir despesas de deslocações, eventuais faltas ao trabalho ou medicação. "Há de facto algo que está em falta", afirma Eurico Reis, juiz e presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA). "O que está a dificultar é a lei que diz que não é possível remunerar os dadores. Dizer que há compensação é hipócrita. É uma retribuição. Não é ilegal, mas deve ser feita uma tabela para essas compensações", defende o juiz, mostrando-se de acordo com o presidente do CNECV.
Miguel Oliveira da Silva, manifestou-se ainda sobre a importação de ovócitos: "Há clínicas que importam óvulos do estrangeiro para mulheres que não os têm. Tudo a troco de dinheiro." Neste ponto, Eurico Reis não está de acordo. "A importação acontece porque está devidamente definida. Há regras minuciosas e estabelecidas. É profundamente injurioso, para os centros, fazer uma acusação destas sem factos." O presidente do CNPMA revela que não tem conhecimento de nenhuma irregularidade e que quando o produto chega a Portugal, cumpre os parâmetros do Conselho Regulador. "Mas seremos impiedosos se soubermos de alguma situação. E os centros sabem disso", esclarece.

Em Lisboa, existem três clínicas que fazem este tipo de intervenção - IVI, AVA e Cemeare -, no Porto, a Clínica Genética Alberto Barros e em Coimbra, a Ferticentro. Segundo os últimos dados disponíveis, da Sociedade Portuguesa de Medicina de Reprodução, o número de doações de óvulos aumentou, entre 2006 e 2007, de 42 para 101. Eurico Reis revela que a importação de óvulos de países estrangeiros está igualmente a "aumentar", facto que pode ser justificado pelo também "crescimento da doença da infertilidade".

Aprovada nos testes exigidos pela clínica, Renata iniciou o tratamento, que começa pela toma da pílula anticoncepcional sem intervalo. Depois dessa fase, e para estimular o crescimento dos óvulos, dão-se "injecções na barriga durante 14 dias". "Têm de ser sempre à mesma hora e arranjei quem as fizesse, por isso não tinha de me deslocar à clínica." No passo seguinte, são aplicadas outras injecções - três doses - com uma espécie de caneta, para acelerar o crescimento: "Os meus óvulos não estavam a crescer e apliquei três canetas. Não concluí o tratamento porque os óvulos nunca atingiram o tamanho necessário. Recebi uma compensação de 135 euros em vez dos 850 iniciais", explica ao i.

O Ministério da Saúde já foi informado da disponibilidade do CNPMA para criar uma tabela para as compensações, mas até à data "não foi pedida qualquer informação", explica Eurico Reis. Sobre o mesmo assunto, Renata revela: "É tudo legal, mas o contrato que assinamos não fala em valores porque o governo português não aceita que seja pago. Eu fiz mais pelo dinheiro."

fonte: Jornal i

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