Magistrados do STA "consentem" evasão fiscal das fortunas
As manifestações de fortuna com recurso ao crédito não devem ser consideradas pelo fisco
Por seis contra quatro, os magistrados do Pleno da secção de contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo (STA) fixaram em Maio passado jurisprudência sobre a tributação das manifestações de fortuna. A julgar pelo voto vencido, a interpretação aprovada "estaria precisamente a consentir a evasão fiscal que justamente pretende travar".
Em causa está como calcular os rendimentos dos contribuintes com "manifestações de fortuna", eventualmente a ser corrigidos pelo fisco.
A Lei n.º 30-G/2000 definiu as manifestações de fortuna (imóveis, carros, barcos, aviões e, em 2003, mais suprimentos às empresas). O contribuinte passou a ter de provar que os rendimentos declarados correspondem à verdade e que foi "outra a fonte" que permitiu adquirir esses bens. Caso haja um desvio de 50 por cento para menos entre o rendimento declarado e o rendimento-padrão, o fisco corrige o rendimento. O rendimento-padrão é de 20 por cento do valor de aquisição dos imóveis superiores a 250 mil euros; em 50 por cento do valor dos veículos de preço superior a 50 mil euros e motos de preço superior a 10 mil euros; pelo valor dos barcos de recreio de preço superior a 25 mil euros e das aeronaves.
Ora, o acórdão redigido por Isabel Marques da Silva (734/09), magistrada que é filha do conhecido jurista Germano Marques da Silva, conseguiu alterar o entendimento do Pleno. E - "sem razões convincentes", afirmam os vencidos - fixou que, caso as manifestações de fortuna sejam adquiridas por recurso a crédito, as quantias emprestadas não podem ser integradas no rendimento não explicado pelo contribuinte.
A sua consequência prática é, nesses casos, reduzir os rendimentos fixados pelo fisco. Algo que, à primeira vista, parece ser razoável, dado que não o considerando, como alega Isabel Marques da Silva, "há manifesto excesso na quantificação" do rendimento.
Mas, por outro lado, tal como sustenta um dos acórdãos que nega esta interpretação (Acórdão n.º 2083/09), o risco é o de esvaziar a aplicação da lei penalizadora das manifestações de fortuna. "O contribuinte poderia recorrer ao crédito bancário na aquisição de bens, ainda que dele não necessitasse, para se permitir declarar rendimentos inferiores (muito inferiores) aos efectivamente recebidos". E, aplicando-os em "investimentos com produção de rendimentos maiores do que os juros exigidos pelo banco", colheria "um benefício fiscal que lhe permitiria suportar, até com excedente, os encargos bancários".
Sigilo bancário protege
A decisão partiu de um caso ocorrido em 2004 (o primeiro dos relatos em caixa). Mas os casos relatados em diversos acórdãos (649/05, 1678/07, 20/85/07, 2259/08, 3083/09) são exemplares. Tanto da realidade nacional, como do facto de a polémica ter nascido da própria lei e, por último, de que o sigilo bancário acaba por proteger os contribuintes contra os intuitos da administração fiscal.
A versão inicial da lei de 2000 adiantava como fonte de rendimento válida "nomeadamente herança ou doação, rendimento que não esteja obrigado a declarar, utilização do seu capital ou recurso ao crédito". Mas, a partir de 1/1/2005, como que obviando ao uso abusivo daquela formulação, a especificação caiu. O acórdão do Pleno ainda cita a versão antiga da lei e omite que o legislador a alterou. Só que já há decisões do STA que, apesar de posteriores a 2005, adoptaram a visão agora fixada pelo STA.
Resta saber se essa jurisprudência se aplicará para o futuro. O Ministério das Finanças não respondeu ao PÚBLICO sobre se será necessário aclarar a lei para impedir a ineficácia da tributação das manifestações de fortuna. Mas os casos são relevadores da actual situação fiscal. Desde a reforma fiscal de 1989, o fisco deixou de poder presumir os rendimentos dos contribuintes e, caso quisesse alterá-las, tinha o ónus da prova. Só que a lei não dotou o Estado desses meios.
E se a Lei n.º 30-g/2000 passou o ónus da prova para o contribuinte no caso das manifestações de fortunas, o acórdão parece resultar numa nova inversão, obrigando o fisco a provar que o contribuinte omite rendimento ao recorrer ao crédito. Só que essa prova apenas será possível pelo acesso às contas bancárias, o que - como naqueles casos - é negado pelos contribuintes investigados.
fonte: Público
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