10 pessoas que nos últimos 10 anos mudaram a nossa forma de pensar
Em 2000 começava o primeiro “Big Brother” e com ele veio a febre dos reality shows. Começavam a ser escritos os primeiros blogues, dando início aos comentários ofensivos anónimos, só possíveis para quem estivesse ligado à rede com um modem. O download de uma canção demorava quatro horas, mas isso não impediu que dezenas de boys e girls bands se dissolvessem em centenas de carreiras a solo. Dez anos depois o mundo mudou e com ele a nossa maneira de o olhar. Nesta lista estão dez nomes de pessoas que nos fizeram pensar de maneira diferente – mas não mudaram uma coisa: o gosto por listas e a certeza de que todas as escolhas são subjectivas
Artes plásticas
Damien Hirst, artista de negocios
Vacas cortadas ao meio, ovelhas e tubarões conservados em formol. Zebras empalhadas sem pelo. Animais abertos, expostos ao olhar de todos. Perversidade? Não, arte. E cara. Damien Hirst transformou a arte em algo mais do que criações com mensagens ou pontos de vista pessoais. Mais do que controverso e polémico, tanto amado como odiado, é um verdadeiro negociador. É o artista que, em vida, mais dinheiro arrecadou em leilão: em 2008 vendeu na Sotheby’s 218 peças da colecção “Beautiful Inside My Head Forever”, de 223 obras, por 153 milhões de euros. Hirst transformou a arte num verdadeiro negócio. Além de ter dezenas de artistas a trabalhar para si, numa espécie de linha de montagem artística, Hirst dispensou os seus negociadores de arte, a Galeria Gagosian e a White Cube, em Londres. Passou ele próprio a levar as suas obras directamente a leilão. Acredita que esta decisão pode inspirar muitos outros a fazer o mesmo, dispensando mediadores na altura de fechar negócio. Hirst é também o autor de uma das obras mais caras de sempre: uma caveira de platina com mais de oito mil diamantes incrustados, posta à venda por 75 milhões de euros. O negócio não foi fácil e a caveira acabou por ser comprada, em Agosto de 2008, por um consórcio do qual fazia parte o próprio Hirst e a galeria White Cube. Uma bem sucedida estratégia comercial que lhe permitiu bater o já falado recorde de leilões no mês seguinte. Arte é, agora e mais que nunca, dinheiro. Diana Garrido
Gastronomia
Ferran Adrià, Provavelmente o melhor chefe do mundo
Genial, único, inspirador. Ferran Adrià é sinónimo de evolução e revolução culinária. Um artista e cozinheiro conhecido por se superar permanentemente e inúmeras vezes premiado e reconhecido pelo mundo fora. Considerado por muitos como o melhor cozinheiro do mundo, Ferran Adrià já conquistou um lugar importante e indiscutível na história da cozinha. Verão de 2007, estágio no El Bulli. Um marco decisivo e transformador no meu percurso. Dizer que Ferran Adrià mudou a minha forma de pensar é pouco esclarecedor. Ferran Adrià destruiu barreiras, alargou horizontes e, acima de tudo, libertou e acelerou o meu pensamento, a minha criatividade. Com Ferran Adrià aprendi a ver mais além, a olhar para uma pêra e a descobrir que posso tirar partido da casca, das sementes, das folhas, dos ramos da pereira e da evolução do seu sabor e textura ao longo das diferentes fases de amadurecimento. Com Ferran Adrià descobri que criar é, de facto, um acto de liberdade com múltiplas possibilidades de expressão. Na cozinha, os ingredientes, as técnicas, a tecnologia, as receitas, as elaborações e os conceitos estão ao serviço da criatividade transformando-a num mundo de possibilidades infinitas. A criatividade exige permeabilidade e um desejo profundo do conhecimento, tanto exterior como interior. A cozinha expressa esses diferentes momentos de conhecimento, de aprendizagem e de reflexão, e comunica não só o evoluir da técnica, mas também a maturidade, a personalidade e a alma do seu criador. Um prato é assim a linguagem de quem o cria, é a forma de diálogo entre o cozinheiro e o comensal. Ferran Adrià, mudou a forma de se encarar a cozinha e a comida no mundo inteiro. Há um humorista catalão, muito célebre, que diz: - A terra era quadrada mas Ferran “esferificou-a”. É, obviamente, uma graça... mas dá que pensar. Por José Avillez, chefe do restaurante Tavares
Música
Noah Lennox . E a matéria criativa dos genios
Pode parecer fácil de mais: Noah Lennox vive em Lisboa, estreia canções nos palcos nacionais e dedica acordes ao Benfica. Ou seja, simpatia é coisa inevitável junto do seu nome. Mas não é essa a justificação deste canto de página. A culpa é de Panda Bear, o alter ego que usa enquanto músico, um dos mais destemidos da década. Reconheçamos que não trabalha sozinho, é com os Animal Collective que vai fazendo revolução. Começaram com pequenos tiros no escuro; assumiram vontades definitivas em 2003, ao editar “Campfire Songs”; e viram a luz (ou vimo-la nós) em 2005, com “Feels”. Como se isto não bastasse, parecem doentes crónicos ao assinar a cada novo disco um momento sempre maior e mais sedutor que o anterior. O psicadelismo, o krautrock, a electrónica e a pop. Estes e outros palavrões baralhados como nunca antes. Como se a matéria que faz as brincadeiras de criança fosse o desejo maior dos adultos e esta gente não tivesse pinga de vergonha em transformar isto em música. Personalizamos o elogio em Noah Lennox, recluso criativo, que tem pouco de social mas tudo para vir a ser apelidado de génio. Motor das vontades dos Animal Collective, é dele a mais frutuosa carreira a solo entre os membros do grupo, seguindo sempre a mesma política: a que diz que tudo é possível, que qualquer corta-e-cola pode ser mágico, que a voz é um veículo sem destino, que a história da música popular tem de ser estudada para ser alterada. Tudo estava já disponível perante todos mas ninguém o tinha concretizado de forma tão evidente. E fazendo uso opressivo da internet, como se fizesse parte da ordem natural das coisas. Tiago Pereira
Futebol
Mourinho prepara, estuda, planeia, organiza. E ainda tem rasgo
O Chelsea ia jogar com um clube secundário para a (já de si secundária) Taça da Liga. Mourinho temia que os jogadores se desleixassem. Na véspera, inventou um exercício que nem o super-homem cumpriria. Deixou a auto-estima do plantel de rastos. Resultado: entrega total dos jogadores durante 90’ e goleada. Se o adversário fosse o Man. Utd, invertia a operação: exercício fácil para os jogadores se sentirem deuses no dia D. No FC Porto idem: antes de um clássico na Luz, Deco reparou que a equipa se preparava como se o Benfica usasse dois pontas-de-lança. “Mas eles jogam só com um, míster”. “Sim, mas quando estão a perder, põem dois, e eles vão estar a perder desde cedo”, respondeu o Special One (ou Il Speciale ou El Especial). Resultado: 1-0 para o FCP, golo de Deco na 1ª parte. Antes de um encontro em Alvalade, Mourinho revelou a equipa titular do FCP e, sem respirar, anunciou o onze do Sporting e as três substituições que o rival Fernando Santos iria fazer. Empatou. Foi bicampeão. Mourinho planeia, organiza, estuda, prepara – como em qualquer génio, 95 por cento do sucesso é suado. Depois cai uma gota de intuição. De ousadia. De provocação. De agitação. São os cinco por cento de rasgo do treinador que transformou o futebol em muito mais do que um jogo de vida ou de morte. Ame-se ou odeie-se. Por João Almeida Moreira, editor de Desporto
Política
George W. Bush, homem de doutrinas
Esta semana, o “nosso” Durão Barroso fez declarações duríssimas ao “The Times” contra Barack Obama, supostamente desatento nas suas relações com a Europa. Seria impossível Durão Barroso dirigir-se assim a George W. Bush, um homem que mudou o nosso mundo – mal ou bem, consoante o ponto de vista ideológico do leitor. A doutrina Bush pôs fim a décadas de contenção da Guerra Fria, criando um novo instrumento, a guerra preventiva, da qual saíram os conflitos ainda em curso no Afeganistão e no Iraque – esta última desencadeada fora do direito internacional, mas com apoios maciços em vários países europeus, com a Inglaterra à cabeça e o Portugal de Durão Barroso a oferecer a Base das Lajes para turismo de habitação. A guerra ao terrorismo, o eixo do mal, o discurso anti-árabe, a aceitação do recurso à tortura (a que Obama continua passivamente a fechar os olhos) para interrogatórios militantes, o campo de Guantánamo, a abdicação das liberdades individuais em nome da segurança – são conceitos radicalmente novos que surgiram após o ataque de 11 de Setembro às Torres Gémeas que mudou o mundo. A reacção de Bush ao ataque de Bin Laden tem detractores violentos, mas também apoiantes entusiastas, até porque nunca mais houve nenhum ataque terrorista aos Estados Unidos. Barack Obama, fora os discursos, permanece amarrado à herança de Bush. A escolha do general David Patraeus, o estratega da guerra do Iraque, para comandante das forças do Afeganistão, foi o último dos símbolo escolhidos pelo Presidente para explicar aos americanos de que não existe qualquer “doutrina Obama”. Até ver. Por Ana Sá Lopes, Redactora Principal
Internet
YouTube viveiro de talento ou tanque de disparates
Em 2006 a eleição de Pessoa do Ano pela revista “Time” foi polémica. Mas não era fácil apontar defeitos à personalidade escolhida: “Você”. Quem não gosta de receber um elogio destes? O prémio era justificado pelo crescimento do “conteúdo gerado pelo utilizador” na internet, a democratização da rede e o seu controle às mãos de internautas anónimos. O YouTube era, por essa altura, a cara da revolução digital e as caras por detrás do site eram Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, antigos empregados da PayPal. Desde essa eleição muita coisa mudou no mundo, mas o YouTube cresceu sempre. É uma maneira fácil, gratuita e eficaz de divulgar vídeos para o mundo inteiro a partir de casa. E com isto mudou para sempre a maneira como surgem, crescem e desaparecem os ícones pop. Antes, para ser famoso era preciso aparecer na TV. Andy Warhol falou em “15 minutos de fama” – hoje isso é demasiado. Um vídeo no YouTube pode chegar a mais gente que uma transmissão em sinal aberto e músicos como Lady Gaga conheceram a fama no site antes de dominarem a MTV. O YouTube também contribuiu para a disseminação da palermice, transformando-se num dos maiores aspersores de disparate até hoje: quem não se lembra do “Esquilo Dramático”? Luís Leal Miranda
Televisão
Chris Albrecht: homem que (felizmente) nos tornou devotos
Antes de mais: uma vénia. Afinal, foi Chris Albrecth que viu o potencial de “Os Sopranos”, uma das mais aclamadas séries de sempre. Durante sete anos (1995-2002), foi presidente do departamento de programação do canal HBO e responsável pela escolha das séries que mudaram para sempre a vida dos espectadores. Em 2002 tornou-se CEO do canal, cargo que ocupou até 2007, sempre a coleccionar sucessos de programação: “Sexo e a Cidade” (1998), “Os Sopranos” (1999), “Sete Palmos de Terra” (2001), entre outras, entraram na rotina de milhões de pessoas, com saídas à noite canceladas, visionamentos entre amigos, debates no dia seguinte. As mulheres queriam ser Carrie, Samantha, Charlotte ou Miranda. A Máfia tornou-se aceitável, bem como os crimes de Tony Soprano. Mas não só: os criadores e produtores das séries passaram a ser estrelas maiores do que os actores que as protagonizam. “True Blood” é de Alan Ball, o criador de “Sete Palmos de Terra” e argumentista do filme “Beleza Americana”; “Mad-men” é de Mathew Weiner, um dos argumentistas de “Os Sopranos”. Nem os grandes nomes do cinema resistiram à febre das séries: Steven Spielberg e Tom Hanks co-produziram “Band of Brothers” (2001) e Mark Wahlberg a série “Entourage” (2004). Por causa deles, tornámo-nos piratas informáticos, sacando o mais recente episódio da nossa série favorita um dia depois de ser transmitido no país de origem. E de portátil no colo, passamos horas de olhos pregados no ecrã, numa rotina caseira tão comum como ir ao supermercado ao fim-de-semana. Diana Garrido
Ecologia
Sophie Uliano. Verde, mas cheia de estilo
Passou anos a viver de Manolos e Loubotins, até que percebeu que algo estava fundamentalmente errado. Todas as suas crenças sobre as melhores marcas se desmoronaram quando descobriu os químicos “horripilantes” que estão em champôs, cremes, amaciadores, vernizes, até na roupa e nos detergentes. E como não suportava ser uma dessas vegans com o cabelo a cheirar a mofo e a roupa a cheirar a traças, decidiu juntar duas palavras que até então não se misturavam: Gorgeously Green. Sophie Uliano fundou este “clube” das mulheres ecológicas e tornou-o chique. Em 2008, escreveu o primeiro de três livros na “saga” do eco-chique e transformou-se numa celebridade “verde” mesmo ao lado dos conhecidos ecologistas Leonardo DiCaprio e Julia Roberts. E no dia em que foi à Oprah, explicar que quase todos os champôs contêm carcinogénicos e que a maioria das empresas engana os consumidores com rótulos atraentes, Sophie mudou a minha vida. Mandei vir os livros da Amazon e revolucionei tudo à minha volta, tal como o têm feito milhares de pessoas com base nas ideias de Uliano. Não é apenas uma questão de deixar de usar sacos plástico; é uma consciencialização do nosso impacto no mundo. Da forma mais glamorosa possível. Sophie tem o mérito de ter tornado trendy a mania de ser verde. É a grande diva das eco-chics. Por Ana Rita Guerra
Economia
A realidade tem um viés social-democrata?
Paul Krugman tornou-se a consciência económica do liberalismo, a social-democracia à norte-americana. Economista, Nobel em 2008, cujos trabalhos sobre comércio internacional e geografia económica indicaram os limites de hipóteses sobre a bondade teórica do “comércio livre”. Há alguns anos, os críticos da globalização tiravam-no do sério; agora, o próprio começa a ter dúvidas. A notoriedade de Krugman vem da intervenção pública, da coluna no “New York Times”, que o i disponibiliza, do blogue e de muitas polémicas. Divulgador notável, capaz de mostrar em poucos parágrafos e com a ajuda de um gráfico esclarecedor uma relação económica importante. Até parece fácil: como o próprio diz, a realidade tem um enviesamento liberal… Krugman tem tido uma boa crise no plano intelectual, no qual tem sido o mais influente porta-voz da política económica keynesiana para evitar o regresso da depressão. Infelizmente, a sua influência na política económica realmente existente tem sido muito menor: insiste-se em não aprender com a história. As políticas de austeridade podem levar-nos de novo para a depressão. O Estado não pode comportar-se como uma família. Manter as condições económicas para uma sociedade civilizada. Assim definia Keynes o objectivo da economia. Arte e ciência, com história e política à mistura. Krugman segue alguma das pisadas de Keynes, não tirando todas as lições. Que isto pareça radical diz mais sobre estes tempos sombrios, depois de décadas de hegemonia do fundamentalismo de mercado, do que sobre Krugman. Por João Rodrigues, Economista
Design
Stefan Sagmeister o conceptualista que detesta futilidades
Não é preciso ser Bruce Springsteen para ganhar um Grammy. Stefan Sagmeister não canta, nem toca nenhum instrumento e, no entanto, ganhou o mais importante prémio da indústria musical com o design de “Once in a Lifetime”, uma edição especial de uma caixa de três CD dos Talking Heads. Estávamos em 2005 e quatro anos antes o designer austríaco já tinha sido nomeado para o mesmo prémio pelo seu trabalho na capa do álbum “Mountais of Madness” de H.P. Zinker. Na verdade, Sagmeister foi nomeado quatro vezes. Rolling Stones, Lou Reed, David Byrne, Aerosmith - até Barack Obama - querem a arte de Stefan Sagmeister. No entanto, o presidente dos EUA não teve a sorte dos artistas: o designer declinou o convite para criar um poster para a campanha de Obama. O austríaco, que é considerado por muitos como o melhor designer de todos os tempos, já ganhou todos os prémios internacionais de design que existem. É uma espécie de Deus que está em todo o lado: anúncios de televisão, posters publicitários, de promoção de artistas, capas de álbuns e embalagens. Seja a cravar palavras no seu próprio corpo (poster para o Instituto Americano de Artes Gráficas) ou a espalhar macacos insufláveis gigantes com mensagens pela Escócia, Sagmeister tem sempre uma perspectiva diferente. O seu trabalho tipográfico é inspirado pelo trabalho do avô, um pintor de letreiros que costumava escrever em folhas de ouro gravadas em madeira, numa caligrafia tradicional, frases de alguma sabedoria pessoal. O objectivo de Stefan? Transformar o design em algo mais humanístico e menos fútil.
fonte: Jornal i
Sem comentários:
Enviar um comentário