Biblioteca Nacional garante não ter alternativa ao encerramento
Os responsáveis da biblioteca dizem que as obras são essenciais para evitar a degradação dos livros
Mais de 3800 pessoas assinaram uma petição contra o encerramento da Biblioteca Nacional durante nove meses para obras. Dizem que "é insubstituível", que os trabalhos vão ficar parados e que há bolsas em risco
É inaceitável, dizem os investigadores. É incontornável, respondem os responsáveis da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP). Quando, no início de Junho, foi anunciado que a BNP iria encerrar durante nove meses e meio - de 15 de Novembro a 31 de Agosto de 2011 - para obras de remodelação, a comunidade de investigadores lançou o alarme: as investigações vão ficar paradas, há bolsas em risco, o aviso não foi feito com antecedência suficiente para permitir uma reorganização do trabalho. Uma petição contra o encerramento, na Internet, recolheu em pouco tempo 3800 assinaturas.
Os responsáveis da BNP argumentam que não havia outra forma de fazer este tipo de obras, absolutamente essenciais para evitar a degradação dos livros e que envolvem sistemas que percorrem todo o edifício onde os volumes estão depositados (ver texto nestas páginas), garantem que existem alternativas noutras bibliotecas do país, e asseguram que reduziram ao mínimo o tempo necessário para as obras.
"A BN é absolutamente insubstituível. Não há outra em Lisboa comparável. Não só tem fundos arquivísticos como tem tudo o que foi publicado em Portugal desde o século XIX até à actualidade", diz o historiador Nuno Monteiro, um dos subscritores da petição. "Em relação aos livros do Fundo Geral [a maior parte das colecções, excluindo os Reservados] há mais alternativas", contesta Maria Inês Cordeiro, subdirectora da BNP, dando como exempo, para o caso do livro antigo, as bibliotecas da Academia das Ciências, da Sociedade de Geografia, a Biblioteca Central da Marinha, a Biblioteca de Évora, a da Universidade de Coimbra ou a Biblioteca Municipal do Porto. Além disso, acrescenta, várias bibliotecas municipais pelo país têm todos os livros publicados desde que existe a obrigatoriedade de depósito legal.
"A minha primeira reacção é de indignação, quase de revolta", diz o sociólogo António Barreto, sublinhando, contudo, que lhe faltam alguns da-dos para avaliar se as obras podiam ter sido feitas de outra forma - faseada, por exemplo, como defendem muitos investigadores. O que António Barreto sabe é que noutros países - e cita os casos das Bodlien de Oxford, ou da Biblioteca Nacional de Paris - foi possível fazer obras praticamente sem interromper o funcionamento.
"Creio que aqui se poderia fazer de outra maneira", continua António Barreto. "O que é que os bolseiros vão fazer agora? Receber as bolsas para depois não poderem trabalhar?" O argumento de que poderão requisitar com antecedência alguns documentos que serão digitalizados não convence o sociólogo. "Uma investigação não se pode planear assim. Um livro leva a outros. Quando vou a uma biblioteca acabo sempre por ler três vezes mais coisas do que o que estava à espera." E conclui: "Não faz sentido que em 2010 se faça como no século XIX."
Nuno Monteiro lembra também que "há uma população universitária que tem prazos a cumprir, que com Bolonha foram enormemente encurtados, e avisar com três meses de antecedência que [a biblioteca] vai fechar por um ano é uma irresponsabilidade". O historiador, que refere também o caso dos investigadores estrangeiros (ver depoimentos nestas páginas), admite que se poderia "ir fechando andares, para as pessoas racionalizarem os seus tempos de consulta, ou manter serviços a funcionar noutros sítios, restringindo um pouco as entradas".
"Não é uma transferência"
Maria Inês Cordeiro considera que as críticas - e até as sugestões que tem recebido sobre sítios alternativos para colocar a biblioteca - partem de um desconhecimento da situação. "Estudámos todas as alternativas. Mas não era possível fazer de outra maneira." A obra implica que se esvazie toda a torre de depósito de livros - será preciso retirar 1200 toneladas de material bibliográfico (serão tiradas 20 toneladas por dia e cada piso será depois remodelado em 20 dias úteis), que tem que ser colocado (empacotado) em espaços alternativos que possam suportar o peso (400 quilos por metros quadrado). Para isso terá que se usar, entre outros locais, a própria Sala de Leitura Geral. "Isto não é uma transferência", sublinha a subdirectora da BNP. E essa é a diferença em relação a obras noutras bibliotecas que têm sido dadas como exemplo. Aqui os livros terão que voltar para o mesmo sítio porque o que existe é um depósito central único e não colecções distribuídas por diferentes espaços.
Quanto ao facto de o aviso ter sido feito com pouca antecedência justifica-o por uma necessidade de conciliação com a primeira fase da obra - a da construção de um acrescento da torre do depósito. "Tínhamos que saber exactamente quando estaria concluída para perceber quando é que esta segunda fase poderia começar, e não queria estar a fazer um anúncio com datas erradas."
Rui Tavares, historiador, eurodeputado e colunista do PÚBLICO, onde escreveu uma crónica criticando a BNP, defende também que "nenhum [aviso de] encerramento de uma biblioteca nacional se faz com poucos meses de antecedência, faz-se com anos", mas acha que a questão é mais profunda e que se devia aproveitar estas obras para repensar a função da biblioteca. "Devíamos ter uma biblioteca pública nacional, na Praça do Comércio ou outro lugar central. A câmara muncipal tem as Galveias, que é interessante mas antiquada. Nos tempos do liberalismo, a Biblioteca Nacional, que era nas Belas-Artes, era muito frequentada. Lisboa deixou de ter isso."
O que Rui Tavares defende é que a BNP se assuma como uma biblioteca para investigadores e que seja criada outra grande biblioteca pública - "sem a qual uma cidade não é uma capital" - que esteja aberta à noite, e onde as pessoas possam passar para ler um jornal, um livro de BD ou o que lhes apetecer. "A BNP negligenciou o público em geral, ninguém vai lá fazer leitura recreativa."
Maria Inês Cordeiro garante que a BNP está aberta a todos, que não tem de forma nenhuma dificultada a entrada (os procedimentos foram facilitados desde o início de 2008), e sublinha que, para minimizar o impacto negativo do encerramento, este ano a biblioteca não fará horário de Verão (Sala de Leitura Geral aberta até às 19h30 durante a semana e até às 17h30 aos sábados) e o Serviço de Referência continuará aberto, permitindo a leitura de microfilmes.
Obras para "tratar a saúde dos livros"
Estamos num dos estreitos e longuíssimos corredores da chamada "torre" da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) - o local onde estão guardados mais de três milhões de livros - e faz imenso calor. Este é o sítio onde os leitores nunca entram. À nossa frente vêem-se apenas corredores paralelos, ligados por prateleiras com livros do chão ao tecto. Resta muito pouco espaço para os novos volumes que não param de chegar à biblioteca, e essa é uma das razões que justificam as obras: é preciso mais espaço para guardar mais livros.
Maria Inês Cordeiro, subdirectora da BNP, segura num pequeno aparelho que mede a qualidade do ar e lê os números: neste momento estão 28 graus, quando, indica o sensor, 18 seria a temperatura indicada para garantir a preservação dos livros. O nível de humidade também é superior ao recomendado.
"Não se deveria nunca atingir estas temperaturas aqui dentro. As temperaturas mais baixas são essenciais para evitar que as bactérias e os fungos ataquem os livros", diz Inês Cordeiro, segurando um exemplar antigo para mostrar como a humidade se entranha no papel. "E depois há a poluição do exterior. O ar que entra aqui dentro não é limpo, não é tratado."E esta é a outra grande razão para as obras: é preciso substituir sistemas eléctricos, sistemas anti-intrusão, de tratamento de ar, refrigeração, de con- trolo de temperatura, de protecção contra incêndios, etc. Os que existem estão obsoletos (o edifício, do arquitecto Porfírio Pardal Monteiro, é dos anos 60), não respeitam as novas regras de segurança. Algumas componentes, como o sistema de limpeza do ar, simplesmente não funcionam há muitos anos. E o controlo de temperatura e humidade está praticamente sem funcionar também. "As obras tinham como prioridade tratar da saúde dos livros", sublinham a subdirectora e o arquitecto João Pardal Monteiro.
Há dez anos que o projecto de ampliação e renovação da BNP estava feito. Só não ia para a frente porque não havia dinheiro. Finalmente, em 2008, foi possível avançar - 9,6 milhões de euros de fundos do PIDDAC ficaram disponíveis para a obra.
A primeira fase (que começou no final de 2008, terminou agora e corresponde à parcela menor do investimento) foi a construção de um acrescento da torre, ou seja, o prolongamento em mais 33 metros destes longos corredores que temos à nossa frente (e que tinham já 99 metros por 15 de largura) em todos os dez pisos. Os depósitos da BNP cresceram assim 6300 metros quadrados. Esta obra não interferiu com o funcionamento da biblioteca porque se tratou de construir uma parte nova.
Terminada essa primeira fase, a BNP prepara-se agora para a segunda - a mais cara, a mais complexa e a que está a provocar polémica por obrigar ao encerramento dos serviços: a substituição das infra-estruturas e sistemas técnicos. Esta vai, segundo explicaram ao PÚBLICO o arquitecto e o engenheiro Correia Abrantes, responsáveis pela obra, implicar a instalação de cabos e condutas, que atravessam a torre de cima a baixo. É por isso que, dizem, a obra não pode ser faseada. Envolve a manipulação de sistemas que atravessam todo o edifício.
A primeira fase, a da ampliação - que está prestes a ser concluída - permitirá não só ter mais espaço de depósito de livros mas também uma nova sala de leitura, próxima da actual Sala de Leitura Geral, e uma casa-forte subterrânea, que até aqui não existia. Aí serão colocados as obras e documentos mais importantes que a BNP guarda - não todos os que actualmente se encontram nos Reservados, mas a parte mais preciosa e rara destes. Aqui dentro, os livros mais valiosos - e a BNP tem vários tesouros nacionais, peças como uma Bíblia hebraica do século XIII, manuscritos do padre António Vieira, cartas de Vasco da Gama e todo o espólio de Fernando Pessoa - estarão protegidos por grossas paredes de cimento e ferro, e o ar será não combustível. Até agora estavam numa zona à parte, com acesso muito reservado (um funcionário sozinho não podia lá entrar e eram necessários códigos de acesso), mas havia apenas um sistema de detecção de incêndio. "Vamos passar a poder fa- zer prevenção", diz a subdirectora. "Se se acender um fósforo dentro da casa-forte, não arde."
Fonte: Público
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