Vacina da sida ficou mais perto mas não é para já
Investigadores dos Estados Unidos descobriram dois anticorpos que conseguem, em laboratório, impedir a infecção de células humanas por 90 por cento das estirpes do VIH. É um passo sem precedentes. Mas para chegar a uma vacina é preciso resolver outros problemas.
Dois anticorpos naturais agora descobertos mostraram em laboratório que conseguem bloquear a infecção por parte de 90 por cento das estirpes actualmente conhecidas do vírus VIH, que provoca a sida. Este é um marco importante na investigação e mais um passo para o desenvolvimento de uma futura vacina contra a doença, como afirmam os próprios autores da descoberta. A equipa, que foi coordenada pelos National Institute of Health, dos Estados Unidos, já está, aliás, a trabalhar nessa linha, mas uma vacina eficaz ainda não é para já.
"Este é um grande passo porque se consegue pela primeira vez ter anticorpos neutralizantes contra quase todos os vírus VIH", comentou ao DN o investigador João Gonçalves, que fez o doutoramento com Joseph Sodrosky, um dos autores do artigo que relata a descoberta e que foi publicado na revista Science.
"Já lhe mandei um e-mail a felicitá-lo por este trabalho", contou ao DN João Gonçalves que coordena o Laboratório de Retrovirologia do Instituto de Medicina Molecular (IMM) e da Faculdade de Farmácia de Lisboa, onde a sua equipa desenvolve justamente este tipo de investigações, na área dos anticorpos para o VIH.
João Gonçalves já sabia, aliás, que esta linha de investigação, que agora deu frutos, estava a ser desenvolvida. "Já há um ano que era conhecido que havia a possibilidade de fazer este trabalho", afirma o investigador português. Nomeadamente, já se conhecia um dos dois anticorpos, o VRC01, bem como o seu efeito neutralizante em relação ao HIV.
"Desconhecia-se, no entanto, como ele actuava e o que a equipa fez agora foi perceber esse processo. Eles conseguiram fazer uma fotografia e perceber como o anticorpo reconhece o vírus".
O segundo anticorpo, o VCR02, "foi uma descoberta ainda mais interessante, porque eles usaram uma estratégia muito engenhosa", adianta João Gonçalves.
O que a equipa fez foi criar uma nova proteína com uma zona alterada que é igual para todos as estirpes de vírus VIH.
Essa zona alterada da proteína não é uma qualquer, mas constitui exactamente a chave que entra na fechadura do vírus. Ou seja, é aquela que permite aos anticorpos reconhecer o vírus como tal e impedir que ele infecte as células.
Com esta estratégia, a equipa conseguiu uma proteína quase universal para usar numa futura vacina - 90 por cento das estirpes de vírus VIH são de facto impedidas de infectar as células humanas nos testes feitos em laboratório.
Mas este método acabou também por ser uma espécie de dois em um. A equipa conseguiu com esta estratégia, não apenas este bloqueio quase universal dos vírus VIH, como acabou por isolar um segundo anticorpo que actua neste processo, o VRC02, que era até agora desconhecido.
"A grande novidade é que se accionam desta forma anticorpos neutralizantes de quase todas as estirpes do vírus e isso é um grande passo que nunca tinha sido dado", nota João Gonçalves. E sublinha que esta "é, sem dúvida, uma estratégia mais realista para se desenvolver uma vacina. Isso ficou mais perto".
Mais perto, mas ainda não é para já. A investigação para o desenvolvimento de uma vacina contra a sida tem-se debatido com dois grandes obstáculos. Um são as inúmeras estirpes do vírus, cuja informação é impensável incluir numa única vacina. O outro é a incapacidade de se mobilizar as outras armas do sistema imunitário (os linfócitos T), que são as que destroem as células já infectadas pelo vírus.
A descoberta agora feita deu um enorme passo para resolver o primeiro problema, uma vez que os anticorpos passam a poder reconhecer e a bloquear a esmagadora maioria das estirpes existentes do vírus. Mas permanece a segunda questão. "E a tecnologia de que dispomos não consegue estimular as duas frentes ao mesmo tempo", explica João Gonçalves.
Ou seja, apesar dos importantes passos dados, permanece imprevisível a data para a criação de uma vacina contra a doença.
fonte: DN
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