Não há como fugir ao poster central da Playboy
A revista saiu pela primeira vez em 1953. Tinha 42 páginas e um futuro incerto. No ano passado (capa de Março de 2009) as tiragens desceram para quase metade
Playboy, oldboy: Hugh Hefner, fundador da revista que revolucionou o olhar sobre o sexo na América, quer reganhar poder sobre a marca das "coelhinhas". Ainda há umas semanas o milionário escrevia no Twitter "a Playboy não está em jogo. Estou a comprar, não a vender". Mas os números mostram quebras acentuadas num império que ultrapassa a revista
"Se a vender, a minha vida acaba." Hugh Hefner, fundador da Playboy, não quer livrar-se da sua revista em crise, mas fazer exactamente o oposto: voltar a ser dono e senhor do império que colocou no mercado bolsista em 1971 e reavivar dessa forma a chama das "coelhinhas". Aos 84 anos é ainda o principal accionista do grupo Playboy Enterprises e acompanha de perto cada edição mensal da publicação lançada em Dezembro de 1953, mas assume que isso já não basta para garantir o legado do seu coelho na História.
A solução, obviamente, passa pelo dinheiro e foi anunciada em Julho: comprar as acções da Playboy Enterprises de que não é dono, com o auxílio de uma empresa de investimentos financeiros, e assumir mais de perto os comandos do grupo. O conselho de administração da Playboy Enterprises, do qual o milionário norte-americano não faz parte, já criou um comité especial para apreciar a proposta. "Se posso satisfazer os meus accionistas minoritários, penso que ficar com a Playboy privada [retirando-a de bolsa] pode ajudar a reforçar a marca. Foi assim que começámos", escreveu Hefner recentemente nas suas mensagens no Twitter, um site de micro-blogging.
O começo da Playboy foi sem dúvida um acto a solo, de 42 páginas e futuro incerto, com dinheiro emprestado e Marilyn Monroe na capa - por Hefner ter comprado os direitos de fotos tiradas para o calendário de uma loja local em Chicago e não por vontade própria da actriz, que posou voluntariamente para a revista já nos anos 1960. Os 50 mil números dessa Playboy nr.1 nem sequer tinham referência a uma data específica ou a periodicidade: o aspirante a empresário não fazia ideia se seria possível publicar uma segunda edição da revista.
Decidido a dirigir a sua própria publicação, Hefner tinha ainda 27 anos e estava a viver o sonho da família americana com a primeira mulher, Mildred Williams, de quem teve dois filhos. Nos anos 1950, década da "caça" aos comunistas do senador McCarthy e do babyboom que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o ideal masculino resumia-se a pouco: "Encontrar a rapariga certa, mudar para os subúrbios e depois andar por aí com a malta (the guys), enquanto ela ficava em casa com os bebés." "Senti que isso era um pouco triste", resumiu o próprio Hefner, numa entrevista recentemente publicada pelo New York Times.
Mas esse ideal não perdurou. E a Playboy, juntamente com as "coelhinhas" e as playmates (donas do poster central), os Playboy Clubs e tudo o que foi crescendo à sombra do símbolo do coelho obrigaram a classe média da América puritana a encarar mulheres nuas (quase nuas, nas páginas da revista, mas nunca totalmente) e abriram caminho para a revolução sexual que se seguiu.
E não só. Especialmente entre os anos 1950 e 1970, quando a tiragem chegou aos 7,1 milhões de exemplares por mês, a revista também publicou grandes nomes da cultura americana. Ray Bradbury (Fahrenheit 451 saiu nas edições de Março, Abril e Maio de 1954), P.G. Wodehouse (um dos maiores humoristas de língua inglesa), Jack Kerouac (em Junho de 1959, num artigo sobre as origens da beat generation), Vladimir Nabokov (The Doorbell, em Janeiro de 1976), Jorge Luis Borges e Nadine Gordimer (Maio de 1977) foram alguns dos autores que publicaram ficção nas páginas da revista.
Grandes entrevistas (ao par John Lennon & Yoko Ono, publicada em 1980, ano do assassínio do ex-Beatle), a Martin Luther King e a Malcolm X (publicadas vinte anos antes) ajudavam a compor o embrulho.
Afinal, como lembra o músico de jazz Tony Benett num documentário sobre Hugh Hefner, que chegou aos cinemas nos Estados Unidos, "[os leitores] depois de se masturbarem até podem continuar a ler". No fundo, para os leitores, não havia como fugir ao poster central da Playboy.
Roupão e chinelos
Muitas actrizes famosas não se importaram de ser tema das páginas da revista: Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Jane Fonda, entre outras, despiram-se para a Playboy. Mas o apelo ao prazer e ao sexo também teve um contraponto, não se cansaram de criticar muitas feministas, que atacaram o papel da revista na banalização das mulheres como meros objectos sexuais.
No fundo, como lembra o colunista e blogger da revista Vanity Fair Michael Hogan, a propósito do documentário realizado pela canadiana Brigitte Berman (Hugh Hefner: Playboy, Activist and Rebel), o fundador da Playboy é uma moeda com dois lados: Hefner, "o pornógrafo que enriqueceu à custa de raparigas desesperadas e que acabou por se tornar numa caricatura dele mesmo", ou Hefner, "um intelectual e activista dos direitos civis cujas posições temerárias contra a repressão sexual, a segregação racial e a hipocrisia da extrema-direita ajudaram a moldar o mundo em que vivemos".
Há ainda um terceiro lado, que apela desde logo ao ideal masculino: Hefner é o tipo de 84 anos que vive com três namoradas com idade para serem suas bisnetas na Mansão Playboy, em Los Angeles, com quem faz sexo um par de vezes por semana: Chrystal Harris, uma ruiva de 23 anos, e as gémeas Kristina e Karissa Shannon, 20 anos (há rumores que dizem que as gémeas já não fazem parte do quarteto). Mais: anda por aí de pijamas de seda e de chinelos de quarto, parecendo não se importar minimamente com o que outros pensam.
Não será tanto assim. Até porque o milionário excêntrico está preocupado com a imagem que irá deixar para a história. O próprio já o admitiu em entrevistas recentes. "Vivemos literalmente num mundo muito diferente e eu tive um papel em torná-lo assim", disse ao New York Times. "Os jovens não fazem a mais pequena ideia disso."
Entretanto, ao lado das revistas para homens que surgiram nos anos 1960 e 1970, bem mais explícitas e despidas (de regras), como a Penthouse e a Hustler, a Playboy foi perdendo o apelo inicial. O golpe mais recente veio da Internet, onde os muitos conteúdos gratuitos ligados à pornografia são de longe os mais procurados. Até mesmo uma espécie de reality show com a participação das três moradoras da Mansão Playboy (The Girls Next Door) faz sombra ao principal produto a que a marca do coelho continua associada.
E para o comprovar a circulação da Playboy continua a cair. Em Outubro do ano passado, a tiragem desceu de 2,6 milhões para 1,5 milhões exemplares por mês. Hefner responde que agora é a vez de ser o poder da marca a sustentar a revista que esteve na origem do actual império, que abrange hoje muito mais do que a publicação, mas mesmo esse corre o risco de desabar financeiramente. E, já este mês, o lançamento do site The Smocking Jacket, ligado à Playboy mas que retrata mulheres "vestidas" em situações humorísticas - próprio para ser visitado sem constrangimentos por homens no trabalho - é criticado por chegar tarde de mais.
"Estou a comprar"
Também no início de Julho passado, Hefner lançou uma oferta que avaliava a empresa em 185 milhões de dólares (141 milhões de euros), associada à Rizvi Traverse Management - uma firma de investimentos financeiros ligada à indústria de talentos e de entretenimento. A resposta da concorrência não tardou: a FriendFinder Networks, casa-mãe da Penthouse, reagiu com uma contraproposta de 210 milhões de dólares (160 milhões de euros), e até disse que Hefner poderia continuar a dirigir a revista e a viver na mansão.
Mas a Penthouse não deverá ter sorte. Dono de 69,5 por cento das acções de classe A, na qual se concentram os direitos de voto da Playboy Enterprises, Hefner tem um grande poder de decisão sobre o futuro da empresa. E, para já, quer ser ele a ditar as regras. "O meu interesse em querer retirar a Playboy da bolsa está a originar alguns rumores descabidos. A Playboy não está em jogo. Estou a comprar, não a vender", escreveu há poucas semanas no Twitter.
Já o esforço para reequilibrar as contas do grupo está a ter alguns resultados. A diminuição de custos passou pelo corte de empregos, o encerramento dos escritórios de Nova Iorque, a subcontratação de todas as funções não editoriais a uma empresa exterior e o reforço da venda de direitos da marca de roupas e acessórios, tal como o franchising de novas edições da Playboy um pouco por todo o mundo reduziram os prejuízos da Playboy Enterprises a 5,4 milhões de dólares (cerca de 4,2 milhões de euros) no segundo trimestre deste ano, comparativamente com as perdas de 145,7 milhões (cerca de 114 milhões de euros) em 2009. As receitas, que incluem as vendas da revista e de espaço publicitário, desceram, no entanto, de 62 milhões de dólares (48 milhões de euros), no segundo trimestre de 2009, para 56 milhões (quase 44 milhões de euros).
Já a edição da revista em Portugal, apesar da polémica de Julho passado, continua a sair para as bancas. A Playboy Enterprises tinha anunciado que desejava romper o acordo com a Frestacom, que detém os direitos da publicação em franchising para o mercado português, porque a edição de Julho retratava um Jesus Cristo de rosto sedutor agarrado a modelos de mamas a descoberto - uma alusão aO Evangelho segundo Jesus Cristo do Nobel português recentemente falecido José Saramago.
fonte: Público
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