domingo, 15 de agosto de 2010

Incendiários


Francisco Moita Flores

Quem se der ao trabalho de comparar o conjunto de notícias sobre os fogos em anos de grandes incêndios e anos com menos calor perceberá alguns mecanismos psicológicos curiosos. As primeiras notícias não merecem grandes comentários e são aceites como um resultado natural do clima. O fogo persiste por semanas, o cansaço instala-se, cresce a impotência perante a soberba do fogo, a que se somam as notícias sobre outros incêndios medonhos noutras partes do globo e, de repente, começam as acusações.

A procura do culpado. As notícias de 2002 indicavam como primeira culpada a falta de coordenação da protecção civil, e a polémica sobre os aviões de combate às chamas, depois veio o governo como segundo culpado, a seguir mais culpados e, de súbito, tudo se deve aos incendiários. O mesmo mecanismo argumentativo segue a narrativa de 2005 e, finalmente, a de 2010. Estamos já no ponto de saturação em que toda a gente vê mãos criminosas em todo o lado. E é extraordinário como somos induzidos a pensar assim, sem pensar. Este é um tempo em que os governadores civis falam muito. Para dizer disparates. E um deles, que tutela a serra da Estrela, dizia com o despudor dos impotentes que aquilo só podia ser fogo posto. Uma certeza divina! Porém, vale a pena descer à terra e deixar aos ‘comentadores estivais’ essa arte do histerismo tonto e do medo e, para outros, da negociata e do oportunismo.

Só haveria uma solução para terminar com os fogos. Empurrar o país para outras latitudes mais frias. É uma impossibilidade e daí ser obrigatório aprender a viver com o fogo. Estamos numa região do mundo onde as temperaturas chegam aos 40 graus, em que a humidade desaparece quase até ao zero. Como outros países. Uns mais ricos, outros mais pobres. Todos flagelados pelo fogo. E quando o vento se mistura a esta secura sabe-se que a calamidade chega. Ponto final! Aprender esta ideia é o primeiro passo para seguir em frente. E vamos aos culpados que tanto gostamos de procurar e apontar o dedo: seguramente alguns incendiários.

Definitivamente todos nós. Que adoramos a floresta quando arde e a desleixamos nos restantes dez meses do ano. E a maltratamos. E a violamos. E a destruímos. E não temos a decência de assumir a nossa ignorância e a indiferente brutalidade com que a esquecemos. Todos! Não existem inocentes neste fenómeno que é nosso, historicamente português, conhecido, reconhecido e que sempre volta, em cada Verão, ao nosso convívio. O grave erro de todos os governos, todos sem excepção, e não sei se algum dia será diferente, está no ordenamento. Passámos do oito para o oitenta. Mas disto trataremos na próxima semana.


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