quinta-feira, 18 de novembro de 2010

NATO. Comprámos na Expo materiais para fazer uma bomba por 19 euros

O i comprou materiais que, combinados, poderiam servir para fazer várias bombas. Tudo dentro do perímetro de segurança


Carrinho de compras explosivo: uma botija de gás (1,99?), um litro de ácido (1,59?), acetona, água oxigenada, álcool, limpa canos, uma faca, pregos e acendalhas. Tudo por 19,01?

"Boa tarde, tem cartão Continente?", atira uma senhora simpática numa caixa do hipermercado do Centro Comercial Vasco da Gama. "Não, não temos", respondemos, duvidando logo à partida que o nosso cestinho de compras fosse elegível para os descontos "em talão". Passa uma caixa de pregos, outra de acendalhas, uma botija de gás em formato recarga. A senhora sugere um ar suspeito. Segue-se uma faca pequenina, mas que promete "corte de precisão" e um litro de ácido muriático. "O senhor ponha-se a pau que com tantos ácidos ainda pensam que vai fazer alguma bomba...", diz a caixa entre risos.

Nós não vamos. Mas o objectivo da reportagem é mesmo esse: a três dias do início da Cimeira da NATO, no coração do perímetro de segurança (ver mapa ao lado), é possível que alguém com expertise necessária e os mesmos 19,01 euros que o i gastou no hipermercado tenha acesso a produtos que, juntos, são mais do que suficientes para fazer uma bomba.

Esta reportagem não é um guia para fazer um engenho explosivo e por isso vários pormenores não serão divulgados - embora o Google indique o caminho. Fica o essencial: o centro comercial oferece todas as condições para se fazerem cocktails molotov, bombas de fumo e, mais preocupante, um explosivo químico chamado triperóxido de triacetona ou TATP, muito popular entre os militantes do Hamas e da Al-Qaeda.

A fórmula do TATP é conseguida à base de produtos banais, como a acetona, a água oxigenada e ácidos presentes em vários produtos de limpeza, como desentupidores de canos - tudo materiais a que tivemos acesso sem dificuldade no hipermercado. Foi este o explosivo utilizado pelo britânico Richard Reid, o "Shoe bomber", no voo que ligava Paris e Miami em 2001, e nos atentados de Londres de 7 de Julho de 2005.

Mesmo com milhares de homens no terreno, as forças policiais não poderão fazer mais do que vigiar indivíduos suspeitos, como confessa ao i fonte das autoridades de segurança. "A atenção das forças de segurança deve incidir nos indivíduos sobre os quais há suspeitas de prática de acções violentas. Não vejo como é que se pode proibir as pessoas de vender esses materiais. É uma preocupação para a segurança? É. Um risco? Certamente", considera José Manuel Anes, presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT). Anes lembra que alguns dos materiais comprados nesta reportagem são "utilizados em explosivos caseiros" e, por isso, não hesita em acrescentar mais umas linhas ao seu raciocínio: "Penso que as autoridades nacionais deverão reflectir sobre esta questão."

Ontem, a meio da tarde, o i seguiu em direcção ao Parque das Nações para testar as prometidas medidas de segurança. A entrada fez-se sem problemas, de carro pela porta da Avenida do Índico. Na nossa tentativa de compor uma lista de compras, uma coisa saltou logo à vista: o centro comercial abre um horizonte de possibilidades a grupos violentos.

Entrámos numa loja de desporto e começámos a compor o carrinho: pacotes de bolas de golfe, novas ou em segunda mão, desde 12 euros; um taco de basebol Wilson por 15 euros, já com luva e bola incluídos; bolas de bilhar (todas n.o 8) por 4,90 euros cada. Na prateleira ao lado, havia cotoveleiras, joelheiras e capacetes. Mais à frente, facas de campismo. "E dardos tem?", perguntámos a um funcionário. "Prefere ponta de ferro ou plástico?" A resposta é óbvia e, passado pouco tempo, lá estava um pacote de dardos de ferro por 4,90 euros. A lista continua, só com material que a polícia antimotim, por certo, não gostaria nada de ter pela frente.

Passámos para o hipermercado e enquanto abastecemos o carrinho com mais alguns ácidos e gases vimos várias famílias às compras - incluindo Liedson, com quem nos cruzámos no corredor das fraldas de bebé -, tranquilamente embaladas pela voz de Céline Dion em "So this is Christmas".

Nos dias 19 e 20, nem tudo pode ser assim tão calmo no Parque das Nações.

fonte: Jornal i

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